Onde a Boqueteira Fantasma circula
Um especial (ero)halloween, em homenagem à lenda urbana da Boqueteira Fantasma da Faria Lima, e à música Nick Cave and the Bad Seeds - Where the Wild Roses Grow
Eles me chamam de Boqueteira Fantasma da Faria Lima, mas meu nome era Lorena Dias. O porquê eles me chamam assim, eu sei muito bem - mas eu tinha um nome, e quero que ele seja lembrado: Lorena Dias.
Foi logo na primeira noite, assim que nos conhecemos, que sabíamos que éramos feitos um para o outro. Ele, um frequentador da vida noturna da região do Largo da Batata; eu, dançarina do Free Lance American Bar, na Cardeal Arcoverde - das 19h às 2h, de segunda a sábado. Eu morava ali perto, em um apartamento pequeno e meio destruído que encontrei - que, aliás, me fazia questionar, às vezes, se não se tratava de uma ocupação, e que eu estava sendo otária de pagar aluguel. Mas para mim funcionava, e eu gostava de poder ir e voltar andando do trabalho. Gostava, especialmente, de ver o agito de quinta a sábado, quando eu caminhava, já muito cansada, de volta para casa. Para passar despercebida, colocava um moletom largo e um shorts, de forma que o meu visual despojado não indicasse nem que eu estivesse de rolê, e nem que eu fosse uma dançarina noturna. Ninguém reparava em mim e logo eu já estava de pijama, bebendo uma dose de conhaque para adormecer em paz.
Não foi assim com ele: assim que eu virei uma esquina, já um pouco afastada dos bares, o encontrei mijando na parede. Quase nos trombamos, o que me fez, por um instante, ficar paralisada de constrangimento. Oi, ele disse, ainda urinando. Olá. Então ele me perguntou para onde eu estava indo, e eu disse que para casa. Posso te acompanhar? Olhei bem para o pau dele, que mesmo mole tinha um tamanho considerável, e me lembrei que há tempos que eu mesma não transava, por mais que dançasse pelada para estranhos seis noites por semana. Seus lábios são lindos. A cantada não funcionou, mas o seu olhar embriagado e bobo, sim. Indiquei que ele podia me acompanhar e voltamos juntos para minha casa.
Se houve uma segunda noite logo em seguida, é porque a primeira foi boa. Muito boa, aliás: seu pau conseguia ser grower e shower ao mesmo tempo, e o tamanho de sua ereção muito me satisfez. Seu jeito bobo também, como se ele desconhecesse a potência de sua rola. Suas cantadas, que pareciam vir de um manual adolescente, aqueceram meu coração, que há muito não ouvia nenhum elogio que não fosse obscenidades dos frequentadores da boate em que eu trabalhava. Ele insistiu em elogiar meus lábios, que tinham cor de rosas, e por conta disso eu insisti em dar a ele muitos boquetes até o amanhecer, quando ele foi embora. Combinamos de nos encontrarmos novamente no mesmo horário e mesma esquina, e assim o fizemos. Mas no lugar de encontrá-lo urinando, o encontrei segurando uma única rosa. E por isso, no lugar de voltarmos imediatamente para casa, decidi primeiro satisfazê-lo ali mesmo: abaixei sua calça, expondo seu enorme caralho, e lhe dei uma primeira chupada.
Quando gozou em minha boca, ele expeliu tanto esperma que um pouco escorreu por meus lábios. Ele me olhou com olhos contentes e me disse que aquela porra parecia um rio percorrendo um jardim de rosas. Me levantei, peguei sua mão e começamos a andar em direção à minha casa. Disse a ele que no dia seguinte eu não trabalhava e perguntei qual era o plano. Quero que me chupe na Casa das Rosas, respondeu, podemos pular a cerca tranquilamente, e lá nos escondemos nos arbustos. Pareceu um pouco doido e um tanto quanto arriscado, mas há muito que eu sentia falta de alguma adrenalina na minha vida monótona de dançarina solteira. Então respondi que sim, e marcamos um encontro na Alameda Santos à meia-noite, pois lá, disse ele, era menos policiado e seria mais fácil de invadir pelos fundos, por um gramado de um prédio.
Eu devia ter desconfiado de alguma coisa, até por conta daquela ousadia toda destoar do caráter bobo que ele havia demonstrado antes. Mas talvez, também, eu não me importasse muito: eu já bebia conhaque barato toda noite para adormecer em meu apartamento podrinho, após dançar nua por horas para homens estranhos e embriagados, o que mais eu tinha a perder? Pensei que, na pior das hipóteses, eu criaria algum problema com a polícia, mas isso curiosamente não me incomodava tanto: meu espírito há muito havia abandonado a vida repetitiva de meu corpo sexualizado por todos e por ninguém. Eu, na verdade, não ligava mais para nada.
Nos encontramos como combinado. Seus lábios estão mais vermelhos do que nunca, disse ele, e nos beijamos. Com muito cuidado, seguimos o gramado por cima da entrada do estacionamento de um prédio e logo já estávamos na cerca de trás da Casa das Rosas. Pulamos com facilidade e, agachados, andamos até uma roseira. Antes dele falar qualquer coisa, eu fiz o que havia feito muitas vezes nas duas noites anteriores: abaixei sua calça e coloquei seu pau em minha boca. Chupei com muita atenção e esmero, usando o movimento mais complexo de língua que eu fui capaz de conceber, e enquanto movia minha cabeça para cima e para baixo, ele me disse: Sua boca é a rosa mais gostosa de todas. Por fim, esporrou no fundo de minha garganta e eu, contente, engoli tudo. Foi quando ergui minha postura, após me certificar de que seu longo jato de esperma havia parado de vez, que aconteceu. Aconteceu o fato que me transformou de uma dançarina noturna para uma boqueteira fantasma. Olhei para ele com os olhos satisfeitos e ele retribuiu o sorriso por um instante, mas logo atingiu minha cabeça com uma pedra em suas mãos. Uma, duas, quinze vezes, até ele se certificar de que eu estava mesmo bem morta. E então colheu uma rosa e colocou sobre meu corpo, antes de saltar a cerca novamente e sumir pela noite.
Eu nunca fui supersticiosa - na verdade, sempre fui bem cética. Nunca acreditei em vida após a morte ou qualquer outra manifestação de sobrenaturalidade. Mas mesmo morta, eu observei tudo o que aconteceu, e continuei ciente depois de uma forma bem específica: não era mais necessário me mover para olhar ao redor, uma vez que eu não tinha mais corpo; ainda assim, eu podia me locomover pela força de vontade. Como se eu fosse uma câmera de um filme, que se move com suavidade em um dolly sem que o telespectador pense muito a respeito. O que era profundamente mais monótono do que a vida que eu levava antes de falecer, e isso me enfurecia. Me enfurecia muito. Meu espírito, que em vida parecia ter se esvaído, se encheu de uma raiva que parecia cósmica, já que não mais se limitava a um corpo físico.
Foram mais três noites dessa raiva crescente e infindável, até que essa inquietude alcançasse o nível necessário para que eu me tornasse uma assombração - ou, pelo menos, foi a forma que eu interpretei o ocorrido. Na terceira noite, perambulando enfurecida por Pinheiros, eu notei, ao passar na frente de um espelho, um reflexo: um espectro esbranquiçado do corpo que eu um dia tive me olhava de volta, usando o moletom e os shorts que eu vestia para voltar do trabalho despercebida.
E foi virando uma esquina e, mais uma vez, quase trombando com outro homem urinando, que eu percebi que eu não era a única capaz de ver o meu espectro: o sujeito deu um berro e esguichou mijo para todo lado. Fiz o que me parecia certo: me ajoelhei em sua frente e chupei o seu pau, que não era especialmente grande, mas era mais físico do que qualquer coisa que eu havia vivido nos últimos três dias. O jato de porra, também, era de uma sensação quente que eu desconhecia desde minha morte. Tudo aquilo era tão vivo e pulsante, tão diferente de perambular como uma câmera, que eu sabia exatamente o que fazer dali para a frente.
Não demorou muito para eu passar a ser conhecida como a Boqueteira Fantasma da Faria Lima. Ataco qualquer homem desacompanhado, a maior parte deles urinando na surdina, e dou a eles boquetes inesquecíveis. Já chupei pintos de todos os tamanhos, cores e formatos. Já senti minha boca espectral se encher de porra de diferentes sabores e consistências. Gosto de que os boatos tenham se espalhado e que hoje eu seja conhecida - o que me entristece, no entanto, é o anonimato a que fui submetida. Eu tinha um nome, e gostaria que ele fosse lembrado: Lorena Dias.